Ativismo, Estudio N1, Opinión

É você conivente?

É você conivente?

“Você é conivente com essa situação” me disse alguém numa brincadeira embriagada ao som de risos em uma confraternização entre amigos. Nada demais, risos, gargalhadas e o cantarolar dos copos numa mesa de bar esquecida pelas ruas da vida. A frase do meu amigo ficou, durante algum tempo, soterrada no subsolo dos meus pensamentos avulsos e caóticos; flutuando no meio das preocupações da pragmaticidade dessa vida e das urgências cotidianas.

No entanto, como suele acontecer, a frase (ou acusação) me assaltou no meio da rua, retornando como aquele questionamento tímido que nos recusamos a fazer, no meio do caos deste mundo que se desmorona em caída livre:

É você conivente?

A minha resposta inicial, como a de muitas e muitos amigos que conheço, seria um sonoro “Não”! Contudo, há algumas questões a se considerar no mundo da pós verdade, das fake news, da vida fragmentada em pequenas janelas atravessadas pela velocidade do próximo meme ou da próxima polêmica, essas que parecem pipocar a cada cinco segundos: veja, não assisto jornal, por questões que variam de não tenho televisão a não consigo processar a intensidade do desastre. Não assisto jornal, mas fico sabendo de cada um dos passos da CPI da Covid-19, dos descalabros do poder público através dos relatos detalhados do meu cúmplice revolucionário, que não deixa escapar as alfinetadas ácidas e bem humoradas para tentar aliviar a tensão destes tempos. Se gritei #ForaBozo e se bati panela, como num ritual ou um pacto de amor nacional todas noites, pontualmente, às 20:30, por outro lado, não tenho participado em nenhum dos protestos desse ano, os motivos são tão variados que não cabem nesta publicação… “Mas tem gente que foi”, diria alguém, e foram muitos e lotaram as ruas e me senti emocionada… Mas, tristemente, soube depois que os protestos levaram essas mesmas pessoas a lotarem mesas de bares, com direito a mini blocos de carnaval:

(ACLARAÇÃO IMPORTANTE: estas palavras não pretendem apontar ninguém, nem pretendo ser fiscal do copo de ninguém, até porque, seria hipocrisia, quantos de nós já não fizemos alguma coisa que fosse na contramão do semi-isolamento? Apenas o contraditório me faz pensar nas nossas reivindicações e nossas próprias conivências)… É você conivente?

Os túmulos se acumulam nas beiradas das ruas: semi-mortos deambulam pelos becos de todas as cidades, de todos os bairros, e nós? Cansados nos refugiamos nas nossas próprias fantasias.

Novas vozes se aventuram em diversas publicações, tecendo reflexões sobre o nosso tempo, sobre política: juntas denunciam um governo genocida que não para de nos matar desde o dia em que uma parcela da população, em outubro de 2018, decidiu pela mais idiota das propostas. Mas como antigir àqueles, que na sua conivência, mal caratismo ou ignorância, se negam a retirar a venda e a mordaça?

Jürgen Habermas disse que “Não pode haver intelectuais comprometidos se já não há mais leitores e quem continuar alcançando com argumentos”, uma entrevista muito interessante que me fez pensar no assassinato do pensamento via virtualidade que nos invade a cada segundo, fica a pergunta: como ultrapassar a miragem das redes sociais? Notícias rápidas que se diluem nas linhas do tempo (linhas do tempo, nomezinho engraçado para um tempo sem tempo), perdem-se a denúncia, a notícia, a preocupação; perdem-se as mortes e a nossa sensibilidade entre a selfie do café da manhã e aquele vídeo engraçado que imita as videocassetadas (de repente pequenas alegrias no meio do olho do furacão).

E vem aqui aquilo de que o filósofo Byung-Chul Han já falara tanto: roubaram-nos o nosso tempo.

O tempo-agora efetiva, sem nenhuma margem de erro, aquela máxima “tempo é dinheiro”: roubaram o nosso tempo quando viramos empresários de nós mesmos, quando as leituras ficam pela metade, quando a vida fica pela metade, atropelada pelo próximo bico.

É você conivente?

Não, talvez mais uma vítima do emprendedorismo quarentenado. Talvez paralisia, resultado daquela homenagem espúria feita a um torutrador numa sessão do congresso, transmitida para toda a população, a isca perfeita mordida por aquele sujeito com complexo de militar de meados do século XX.

É você conivente?

         Não, apenas (sobre)vivo na urgência cotidiana, entre a fome do riso e o refúgio nas artes. Talvez ainda seja aquela criança assustada que, entre a imaginação e a literatura, encontrou um refúgio para se resguardar da última guerra.

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