mujer

Fotografia: o olhar de narciso

(Este é um texto que funciona como, em primeiro lugar, um ensaio de resposta à pergunta que uma vez alguém me fez: por que você faz selfies? E, em segundo, como primeira entrega sobre corpo-imagem-mulher)

 

eu

Desde já aviso, este não é um texto com referenciais psicanalíticos, não pretendo fazer uma explanação sobre nenhum processo explicado pela psicologia, nem pensar teoricamente sobre uma experiência, que se bem poderia me servir para explicar no espaço acadêmico ou mesmo fora da academia não me sinto confortável agora, em primeiro lugar porque tenho pouca leitura a respeito e, em segundo lugar, porque me parece, neste momento, mais genuíno fazê-lo assim. – Talvez, mais adiante possa elaborar um pensamento teórico ou acadêmico…

cadejo
primeiro ensaio-sem pretenção

Faz exatamente um ano e três meses que comecei a tirar selfies e postá-las nas redes sociais – coisa que já fazia antes, porém sem nenhuma consciência sobre –. O principal motivo que me levou a isso foi uma conversa que tive com meu irmão sobre o rompimento do meu último relacionamento (5 anos). Após um relacionamento longo e por vezes tortuoso (para ambas as partes), e com o fim dele, percebi que havia muita coisa em mim, desde o que projetava como imagem e o que tinha para mim entre as quatro paredes da minha casa, que não reconhecia mais. As roupas, o cabelo, mesmo sendo fruto de minhas escolhas, tudo isso parecia que quem se olhava no espelho de narciso era outra que eu não mais reconhecia… percebi que, mesmo o que veio antes do relacionamento, fazia parte de um descobrimento que havia ficado pela metade… na conversa com meu irmão ele comentava “é importante saber quem se é e como demonstramos isso pro mundo. É importante saber como mudamos durante e depois de um relacionamento e que rosto queremos olhar”, entre muitas outras coisas, percebi que no meu facebook, apagando muitas fotos que tinha com esse ex-namorado, retirei boa parte das fotos da minha rede social… Passei a perceber o quanto romantizamos relacionamentos e o quanto o amor romântico é nocivo, principalmente para nós mulheres – tema para outro texto que está em andamento –. As selfies foram mudando conforme fui me deparando com a câmera do meu celular… Percebi o quanto sinto saudade de ter uma câmera na minha mão e o quanto desejo, em algum momento, quando as economias me permitirem, adquirir uma câmera e trabalhar com isso.

A maioria das Selfies tem sido feitas em casa, principalmente na intimidade do meu quarto, que hoje chamo de santuário e quem visitou minha casa, pode perceber que mesmo na bagunça, este espaço reflete muito do sagrado da minha intimidade… (poucas pessoas me visitam e há um motivo para tal)… continuando… o motivo que me leva me fotografar em casa é pelo simples motivo que ao me deparar com o olho entrometido da câmera, me deparo com o meu espelho, meu olhar… o meu olhar sobre mim… algo que tem sido muito difícil de encarar…

Cada fotografia é antes feita na frente do espelho, passo alguns momentos olhando pra mim e depois de um tempo faço alguns takes pra escolher a que melhor expressa aquilo que vi, algumas horas ou dias antes, na frente do espelho. E quase nunca publico selfies no momento em que é feita, muitas vezes passam dias para que possa postar a tal da fotografia…

A primeira foto que publiquei sendo ciente desse processo foi chamada Narcissism #1

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Narcissism #1

(que é por sinal a fotografia do blog). Depois disso usei esse título algumas vezes… muitas outras nada além de uma legenda qualquer… ou alguns trechos de livros que me tocam no mais profundo.

A aposta na selfie me fez olhar para mim após o fim de um dos relacionamentos mais importantes até agora. Fez com que olhasse para aquela que restou depois de um tortuoso fim, fez com que levasse mais a sério essa questão de autodescobrimento que já rendeu uns 7 diários na minha vida… fez me deparar com aquilo que almejo ser no futuro ou mesmo no meu presente.

 

rir de s
rir de si diante dos outros

A aposta pela selfie faz com que pudesse brincar com a minha própria imagem, faz com que possa rir de mim e comigo… e me proporcionou momentos de conexão muito grande e maravilhosa comigo mesma…As redes sociais nos proporcionam, às vezes de forma pouco saudável, um caminho para afirmar nossa identidade ou mesmo para formar uma… muitas pessoas podem pensar: “não precisa mostrar para os outros, basta com você saber quem é” Isso é uma verdade tão verdadeira… porém… sempre há um porém… somos seres sociais, e precisamos, de uma maneira ou de outra, sentir o pertencimento a alguma coisa maior, a um coletivo, afirmando nossos ideiais ou confrontando os mesmos com outros grupos. Afirmando nossa identidade, algo que, mesmo gostando das teorias do pós-estruturalismo e da fluidez identitária, acredito ser algo muito importante, nosso semblante (identidade), conforme Alain Badiou comenta, pois por um lado é verdadeiro que somos seres-em-relação e em mudança constante, não é menos verdadeiro que precisamos de um semblante para agir na sociedade e se colocar em-situação, na luta de classes. As redes sociais, desde meu humilde ponto de vista, é um dos lugaresvintage onde projetamos nossa imagem, onde dizemos  ao mundo “eu existo” e isso pode ser positivo ou negativo, depende muito de várias questões psicológicas e mercadológicas – porque sim, o fato é que desde o momento em que fazemos uma conta de Instagram, Facebook, Twitter, e outras redes, estamos vendendo nossa imagem, estamos nos vendendo num mundo em que o grande capital manda e o qual devemos continuar lutando contra – debate para outro momento –. Uma certa vez alguém me disse: “acho que você é muito insegura e por isso você faz tanta selfie” E até pode ser, todas e todos carregamos com um poço de inseguranças enorme, muito mais num mundo em que os laços afetivos estão cada vez mais frágeis… e, sim, pensando que o que me levou a ter a selfie como prática, pode ter sido o final de um relacionamento, não é menos verdadeiro que a prática foi ficando mais complexa e mais complicada, pois de um possível querer mostrar para o outro passou a ser quero me ver através do olhar de uma câmera, que nunca é idêntico-igual a tal realidade… – talvez seja por isso que a fotografia me apaixona tanto, pois na fotografia não há realidade, há realidades capturas, escolhas, manipulação – no melhor sentido, aquele que faz referência ao processo manual do artesão e uma massa de argila –. E, convenhamos que se deparar com o olho de narciso pode ser muito desafiador, assustador e libertador, pois é nele, na relação íntima estabelecida entre o eu e o espelho-obturador que nos deparamos com aquilo que somos ou queremos ser para nós e para os outros.

 

NOTA: algumas das fotos que acompanham este texto não tinham sido publicadas, outras sim…

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